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A LEITURA DO CORPO E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA COMO CAMINHOS PARA A CURA

Fonte: The New York Times

Embora a abordagem tecnicista da Medicina Tradicional tenha, nas últimas décadas, alcançadoganhos quantitativos e qualitativos, percebemos que o número de doentes no mundo nãodiminuiu, ao contrário, aumentou não só em número, mas também  na diversidade de suas doenças. A necessidade de especialização, bem como os procedimento médicos orientados unicamente pela eficácia e funcionalidade operou uma fragmentação tanto do saber, como  daprática, uma vez que deixou de considerar o  Homem enquanto ser total, possuidor de um conjunto de corpos correlacionados (tal como concebe a Filosofia Oriental), cuja complexidade desua natureza não pode deixar de ser assinalada. Esta polarização estabelecida pela não consideração da Unidade do Ser, trouxe um outro equívoco e a conseqüente inadequação de seu conceito: de que a doença é algo vindo de “fora” do organismo do Homem e não de “dentro”,onde então passaríamos a conceber o Homem enquanto sujeito responsável pela sua doença e, namaioria das vezes, vítima das suas próprias aflições nos caminhos da corporeidade somática.

É longa a trajetória daqueles que não se dispõem a analisar a causa primeira destas aflições, quese conformam e concordam com o estado das coisas, mesmo tendo percebido que este estado éque os levou a adquirir determinada doença. Pois sabemos que as escolhas - estéticas, sensoriais ou afetivas - determinam em grande escala a  qualidade da vida que se leva e aqui entramos nocerne da questão: o que determina, em última instância, a qualidade das escolhas que são feitas? De que forma podemos analisar se escolhemos ou não ficar doentes? Quais os indícios que nosconduzem a perceber que alguma coisa em nossas vidas não vai bem ? Ou então não teríamos adquirido esta ou aquela patologia.

As respostas à estas questões surgem na mesma medida que sua enunciação, quando nospropomos à escuta do nosso corpo numa análise que nos permita uma abordagem do homem em sua inteireza; que nos lançamos a percorrer o atemporal universo da corporeidade em busca datotalidade perdida no resgate da Unidade trinitária: somática, psíquica e espiritual. É este oconvite que nos faz o espiritualista Jean-Yves Leloup, Ph.D em Psicologia Transpessoal, Doutor em Teologia pela Universidade de Estrasburgo e autor de diversos livros do movimento transpessoal eholístico, entre eles Corpo e SeusSímbolos: Uma Antropologia Essencial (Ed. Vozes), queabordamos no presente artigo.

Para Leloup, o corpo é a memória mais arcaica do ser humano, no qual ficam registrados todos osacontecimentos vividos nas várias fases da vida. É o templo onde se registra, em suas diferentes partes, todas as informações acerca da evolução da consciência Por isso, afirma: “(...) Quandovocêtocaumcorpo, lembre-se de quevocêtocaumSoproqueesteSopro é o sopro de umapessoacomseusentraves e suasdificuldades e, também, é o grandeSopro do UniversoAssim,quandovocêtocaumcorpo, lembre-se de quevocêtocaumtemplo”.

Percebemos que é na relação que possuímos com nosso corpo que depende o  entendimento acercade suas especificidades e conseqüentemente, acerca de nossa espiritualidade. É através da leiturado corpo, que passamos a adquirir compreensão da nossa natureza. É do enraizamento(simbolicamente, o enraizamento refere-se a dimensão do nível de consciência) que depende oentendimento do Self. Nesta ordem de idéias, podemos dizer que o homem passa a ser  o autor desua própria condição, determinada pela sua evolução interior, estabelecida, por sua vez, pela consciência e impressa no corpo, simbolicamente representada.

O homem, nestas circunstâncias, é o receptor de suas próprias aspirações, ou seja, ele se identifica com aquilo que ele é interiormente e vice-versa. Se identificar com tristeza, a tristezaserá dele, se identificar com a doença, a doença será ele, mas se passar a se identificar com acura, será capaz de curar-se. E aqui, alcançamos o resultado dessa equação. De acordo comLeloup: “Observando nossoprópriocorpo, vemos comonossaevoluçãointerior pode moldá-lo”. Tendo em vista que nossa evolução interior depende do nosso nível de consciência, afirmamos, portanto, que ela determina, em última análise, o estado de nosso Ser.

No entanto, há algumas partes de nós mesmos que perdemos a memória porque lembrar noscausaria muito sofrimento e então estas partes perdidas, estes elos rompidos, se revelam atravésda doença. Tudo aquilo que negamos, que não queremos ver, que insistimos em engavetar nos arquivos do inconsciente e que não faz permitir a identificação de nossa própria história, de nossa própria identidade, torna-se, inevitavelmente, a nossa sombra. A doença é um sintoma que nosrevela que nosso interior precisa de cuidados e através desse sinal, os sintomas tornam-se osespelhos da Alma, uma vez que refletem a sua necessidade de cura.

Cada órgão em nosso corpo possui uma função, cujo simbolismo permite a decodificação dadoença correspondente, mas que, na verdade, reside na Alma. A recusa dos anoréxicos, por exemplo, à comida, significa uma negação do próprio corpo e também de suas exigências,inclusive a do amor; a coluna vertebral, por sua vez, é a árvore da vida e de onde advém a sua essência. Os problemas de coluna, portanto, estão relacionados à falta de ligação e aceitação com nossa própria essência, significa que não estamos “bem enraizados” e por isso não conseguimosnutrir nossas vértebras; o ventre, um lugar riquíssimo, demonstra o mundo de nossas emoções (araiva, a tristeza, a alegria, o amor, a dúvida, a confusão, a confiança, etc.) e a forma com quelidamos com elas; o sistema digestivo, com todos seus órgãos também revelam suas peculiaridades: o engolir significa incorporar, está relacionado tanto com o ato de abastecer ocorpo, quanto o digerir de problemas. A náusea sinaliza que recusamos algo ou que aceitamos algo indevidamente e , por esta razão, sentimos o mal-estar estomacal. O fígado, a vesícula, opâncreas, o baço são os órgãos mais afetados. Uma das doenças que surgem comumente em decorrência da sobrecarga destes órgãos é a diabetes ou a hipoglicemia; os rins, não filtramapenas o sangue, mas as mensagens que circulam pelo corpo, através do circulatório, pelaspalavras que são ditas e ouvidas e o ato de ouvir, está relacionado, sobretudo,  ao primeiro mandamento do amor, que é aprender a escutar o silêncio interior. E não é sem razão que tanto osrins como o ouvido apresentam a mesma forma - de semente -, cujo simbolismo representa a limpeza do organismo.

A analogia com as partes do corpo apresenta o universo riquíssimo da simbologia, onde a doença é o símbolo e os sintomas o espelho, que reflete que nossa Alma não vai bem. Os sintomas queremnos informar que há algo errado, que está faltando alguma coisa. Podemos então afirmar, diantedestas considerações, que não é o corpo que está doente, mas o Ser, que anseia por recompor sua natureza fragmentada e perdida, que nos chama a olhar para nossos pés, símbolo da força, dosuporte e da conexão com a terra (que nutre e alimenta), no sentido de questionarmos sobre amaneira que estamos caminhando.

Recorremos também à um outro estudo acerca da linguagem do corpo, que é o livro de Thorwald Dethlefsen e Rudiger Dahlke, DoençacomoCaminho(Cultrix), onde os autores afirmam que odoente não é uma vítima inocente de alguma imperfeição da naturezamas que é, de fato, oautor de sua própria doençaque passa a ser seu álibi.  De acordo com estes pressupostos,quando há a rejeição do reconhecimento da doença (através dos sintomas), quando passamos arecusar a escutar nosso corpo e a interpretar a sua linguagem simbólica, então temos acomprovação de que nos falta consciênciae aqui respondemos nossa questão inicial: o quedetermina, em última instância, a qualidade das escolhas que são feitas é a nossa consciência que, nesse caso, é adquirida de forma dolorosa, ou seja, através da doença. E é por isso que, muitas vezes, ouvimos dizer que foi através da doença que a pessoa passou a fazer melhores escolhas, foi através da doença que aprendeu a ouvir o seu corpo, a respeitar os seus sinais deintolerância e os seus limites.

Nesse sentido, doença é uma chamada de consciência em busca da cura interior e é também por este motivo que Leloup diz: “Podemos imaginar o nossocorposemelhante a uma árvore. Se aseiva está vivaemnósela desce às nossas raízes e sobe até os maisaltosgalhos. É do nossoenraizamento na matériaque depende a nossasubidaparaluz”. Em outros termos, quanto maiorfor a  ligação e o reconhecimento com a verdade de nosso Ser, quanto maior a expansão daconsciência (considerando suas diversas etapas) com relação às funções interiores, maior será adimensão da integração do ser humano como um todo: corpo, mente e espírito. E, a partir daí, podemos dizer que estaremos aptos a proceder melhores escolhas, antes mesmo que qualquer mal-estar se instale.

Ainda segundo Dethlefsen e Dahlke, a cura só poderá acontecer através da incorporação dasunidades do Ser, da recomposição de sua totalidade, através da ampliação da consciência, pois quando você interroga o seu inconsciente, extraindo dele a sua verdadeira natureza - que é Divina- você não só canaliza as suas energias, evitando perdas desnecessárias, como todas as suas doenças desaparecem, porque estas mesmas energias utilizadas antes na resolução de conflitos(expressos pelos sintomas no corpo físico), vão estar sendo utilizadas no desafio da própria regeneração interior.

Portanto, não ignoremos os sinais que nos convida o nosso corpo a participar, para que sejamos dignos da divindade que nele habita. Que estes aspectos da antropologia de Leloup, de Dethlefsen e outros que se empenham na busca dos arquétipos e da simbologia como um todo, a fim de devolver ao saber e à prática sua Unidade, bem como ao próprio corpo sua beleza, mistério e completude, sejam somados à Medicina Tradicional, para que todos possam alcançar uma resposta satisfatória para a enunciação de suas dúvidas e aflições, dentro do próprio silêncio que são convidados a compartilhar. Nas palavras de Leloup: “Procure a resposta lá onde você colocou a pergunta (...) Uma resposta que não venha do exterior, mas que jorre do interior. Do interior do nosso silêncio”.

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