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A REALIDADE DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO 29/1/2010

Tereza Melo Sousa - Psicóloga e Psicoterapeuta
No plano ideal, a maternidade é uma condição sublime, de perpetuação da espécie, de realização pessoal e de desenvolvimento dos laços afetivos. Mas esse é o ideal, o que não quer dizer que seja regra geral, principalmente quando se têm dados estatísticos segundo os quais cerca de 15% das mulheres são acometidas da depressão pós-parto (DPP). "Trata-se de um quadro clínico severo e agudo que pode começar na primeira semana após o parto e perdurar até dois anos", explica a psicóloga e psicoterapeuta Vera Iaconelli, mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP)

Incapacidade de cuidar e desinteresse pelo bebê são apenas dois dos sintomas da DPP que prejudicam não apenas a mãe, mas também o filho. Por conta da pressão social segundo a qual a mulher deveria estar com um sorriso nos lábios e "lambendo a cria" depois do parto, muitas mães relutam em admitir para a família ou mesmo para o pai da criança que estão precisando de ajuda. Isso dificulta o diagnóstico precoce e, em conseqüência, o tratamento do problema.
Alguns fatores de risco demonstram correlação com a DPP: mulheres que sofrem de tensão pré-menstrual (TPM), sintomas depressivos durante a gestação, histórico de transtornos afetivos, primeira gestação, carência social e dificuldades na gestação são alguns dos que estão em estudo.

"O acompanhamento do período que engloba gravidez, parto e pós-parto é uma forma de evitar, atenuar ou reduzir a duração da DDP", diz Vera Iaconelli, ressaltando a importância do diagnóstico precoce.
Além dos visíveis problemas para a saúde da mãe, a depressão pós-parto é fator de risco para a saúde mental do bebê e, portanto, requer a atenção de médicos, pacientes e familiares.

Pressões sociais podem levar a mãe a omitir os sintomas
Irritabilidade, mudanças bruscas de humor, indisposição, tristeza profunda, doenças psicossomáticas, desinteresse pelas atividades cotidianas, sensação de incapacidade de cuidar somado a desinteresse pelo bebê. Esses são os principais sintomas da depressão pós-parto. Em casos extremos, a mãe pode chegar a ter pensamento suicidas ou mesmo homicidas em relação ao bebê.
"Para os outros, a mulher deveria estar radiante pelo nascimento do filho. Ela, no entanto, se sente culpada e aparenta ingratidão", diz a psicóloga Vera Iaconelli, remetendo-se a casos em que as pressões sociais fazem com que algumas mulheres optem por omitir os sintomas da DDP.

Apoio familiar é fundamental no tratamento
Diversos fatores englobam um quadro de depressão pós-parto e interferem no tratamento: ginecológico, psiquiátrico e psicológico. Além desses aspectos clínicos, não se pode deixar de lado o cunho social do problema.
"Uma das alternativas para a gestante e a nova mãe são os grupos terapêuticos, nos quais elas podem partilhar o seu sofrimento com outras mulheres em igual situação e sob orientação de um profissional, que pode recomendar atendimento psicológico individual, caso necessite", diz a psicoterapeuta Vera Iaconelli.
Para a família ou pessoas próximas à mãe depressiva, a compreensão é chave no tratamento. Segundo a psicoterapeuta, "é importante que as pessoas que lidam com a mãe sejam esclarecidas sobre a natureza desse estado. Dessa forma, poderão dar a ela o apoio necessário".
Segundo a psicóloga de família Gilda Monteiro, "a mulher se sente solitária durante a gravidez e no pós-parto. Como o distúrbio faz parte do sistema familiar, deve ser tratado em terapia conjunta com o marido e com acompanhamento ginecológico".
Alguns casos requerem o uso de medicação. Os antidepressivos são indicados quando o quadro de depressão pós-parto compromete a função e o bem-estar da mãe. Como existem no mercado medicamentos que não são maléficos ao leite materno, podem ser tomados mesmo durante o período de amamentação.

Cabe ao médico pesar os prós e contras e avaliar os fatores de risco na hora de optar pelo uso de antidepressivos, psicoterapia e/ou terapia de grupo.

Quando a mãe maltrata
"Se o bebê morreu, não há problema; tem-se outro". A frase que hoje soaria como uma estupidez era recorrente até meados do século 18, quando a infância não era valorizada e sequer se sabia definir o que eram aqueles seres pequenos e sem condições de se manter sozinhos. Até esse período, eram chamados de adultos pequenos e ainda não havia uma divisão entre infância, adolescência e fase adulta. A francesa Elizabeth Badinter, em seu livro "Um Amor conquistado", explica que a frieza e indiferença do pai e principalmente da mãe em relação aos seus filhos eram, na verdade, uma espécie de couraça sentimental, onde estariam seguros de qualquer sofrimento causado pela perda de uma criança com tantas possibilidades de morrer antes de um ano.

Os laços sentimentais entre mãe e filho mudaram. Os dois se tornaram mais unidos a partir do momento em que se reconhece que a criança precisa de cuidados especiais e a maternidade passa a ter maior relevância. Mas o descaso e, o que é pior, a violência de pais contra suas crianças ainda chamam atenção pela dificuldade de se compreender os motivos de se cometer tal ato. Para a psicóloga Roberta Cavalcante, "na forma de se relacionar com o filho, você repete o que viveu na relação com sua mãe. Quando se tem uma relação mal desenvolvida com a mãe, provavelmente levará inconscientemente para a relação com o filho".

O estado de depressão pós-parto é uma causa freqüente de agressões maternas aos filhos e pode acometer a mulher até algumas semanas após o nascimento do bebê. Segundo o ginecologista Wagner Gonzaga, o distúrbio pode ser classificado em três tipos, por grau de severidade: a tristeza materna, a depressão pós-parto em si e a psicose puerperal. A psicóloga de família Gilda Monteiro alerta que "quando a depressão pós-parto é diagnosticada, outras pessoas devem ser mobilizadas para cuidar da criança e da mãe". Na avaliação dela, "a melhor maneira de se prevenir é ter alguém com quem conversar durante a gravidez, mesmo que seja um serviço de psicologia".

"Quando a violência ocorre fora de uma situação de psicose ou depressão pós-parto é porque a mulher foi maltratada, negligenciada, abandonada ou rejeitada durante a infância", explica a psicóloga Gilda Monteiro. "Quando há a morte da criança, geralmente foi por espancamento. Quanto mais a criança chora, mais apanha", acrescenta.

A psicanalista Regina Alcântara considera que no nascimento de uma criança exista uma ambivalência muito grande em relação à vida e à morte. "Enquanto o bebê nasce, fica na mulher a placenta morta. As experiências de separação do filho do corpo da mulher são experiências de morte". Além disso "as identidades, tanto da mãe, como dos familiares, no pós-parto ficam desordenadas. Se é o primeiro filho, o pai não é mais só o marido, o profissional, o filho", completa. Para ela, essa é uma fase difícil, que pode desencadear um provável distúrbio.

O aborto e o abandono podem ser considerados sérias formas de violência contra um filho. Ilegal na maior parte dos países, o aborto ainda continua sendo objeto de uma discussão moral que questiona até que ponto a mulher tem direito sobre a sua vida e a da criança que carrega. No Brasil, o aborto forçado, aquele feito por escolha da gestante, prevê pena de um a três anos de prisão para ela. Já para mães que abandonam um filho, a pena vai de seis meses a três anos; se resultar em lesão, a reclusão vai de um a cinco anos; e em caso de morte, vai de quatro a 12 anos.

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