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Relação entre stress e depressão 29/1/2010

O stress é uma reação que possui componentes físicos, psicológicos, mentais e hormonais que pode se desenvolver frente a situações que representem um desafio para o indivíduo. Devido à ação perfeitamente integrada do stress sobre todo o organismo humano, seus sintomas podem ter uma caracterização somática ou psicológica. Algumas das manifestações físicas do stress são mais conhecidas e reconhecidas como tendo na sua gênese o stress como fator desencadeante, tais como doenças gastrointestinais, cardiovasculares, respiratórias, músculo-esqueléticas, dermatológicas e imunológicas. Porém, menos conhecidas são as conseqüências psicológicas do stress excessivo, tais como ansiedade difusa ou generalizada, insônia, esquizofrenia, episódios maníaco-depressivos e depressão.

Por causa das suas conseqüências, às vezes devastadoras, é muito importante que atenção especial seja dada a este assunto. A depressão é considerada como a condição que mais sofrimento traz ao ser humano. É capaz de destruir a felicidade e a qualidade de vida de qualquer pessoa. Reduz a criatividade e a produtividade do ser humano, tira a vontade de viver e interagir com os outros. Pessoas com depressão vivem a vida pela metade, como se todas as cores e todas as alegrias ao seu redor estivessem cobertas por um filó escuro. O depressivo sabe que as cores estão ali embaixo desta coberta de névoa, porém ele não consegue usufruir de sua beleza. Como a habilidade intelectual é inafetada, a pessoa sofre mais ainda por saber que a alegria está ali disponível e que ele dela não consegue usufruir.

Estima-se que a depressão seja responsável por uma grande parte das 70.000 pessoas que tentam o suicídio anualmente nos EUA. De acordo com as estatísticas do National Institute of Health, cerca de 125.000 pessoas são internadas anualmente com o diagnóstico de depressão. No Brasil, Nardi (2001) estima que haja cerca de 54 milhões de pessoas que um dia experimentarão depressão, sendo que 7,5 milhões terão episódios agudos e graves, até com risco de suicídio. Estima-se que a depressão atinja 15% dos homens e 25% das mulheres, sendo que nas mulheres a depressão é cerca de 50% mais diagnosticada do que os homens.

O número de pessoas com depressão parece estar aumentando, principalmente devido ao stress ocupacional, que também parece estar se maximizando nos dias atuais. Mas a depressão sempre existiu e o primeiro que a descreveu foi o médico e filósofo grego Hipócrates, que a chamou de melancolia e sugeriu que sua causa fosse a bile negra e venosa. No século II, Plutarco lhe atribuiu uma conotação religiosa, dizendo que "ele se olha como um homem que os deuses odeiam e perseguem...".
Em 1952, o primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-I) incluiu o diagnóstico do humor depressivo.

Atualmente, se sabe que a depressão - chamada de "transtorno do humor" - pode ser de origem biológica, o que envolve uma predisposição genética. Ela pode ocorrer em associação a determinadas medicações; estar associada a outras doenças; ter como base práticas parentais inadequadas e cognições distorcidas e também ter em sua etiologia o fator stress como elemento desencadeador.
Pesquisas (Henry & Stephens, 1977) indicam que há uma correlação entre episódios de depressão e reatividade do eixo pituitária-adrenal-cortical, que se constitui em um dos eixos do stress, de modo que pela própria patofisiologia, tanto do stress como da depressão, é de se antecipar que a relação stress-depressão exista.

Na área psicológica, há também evidência de que a depressão possa ser um sintoma de stress patológico, principalmente do stress interpessoal. Depressão e stress se confundem e tornam o diagnóstico diferencial muito difícil em certos momentos. O quadro a seguir mostra os pontos em comum entre stress e depressão.

Quadro 1
Sintomas em comum do stress em fase avançada e dos transtornos de humor:

Sensação de cansaço e desgaste;
Diminuição da libido;
Dificuldades com a memória;
Autodúvidas;
Hipersensibilidade emocional;
Vontade de fugir de tudo;
Inabilidade de concentração;
Dificuldade de tomar decisões;
Confusão mental.

Os sintomas do Quadro 1 compõem um subquadro do diagnóstico do stress: a depressão.
Na verdade, a depressão enquanto sintoma do stress está relacionada às condições de adaptação do momento. Quando a necessidade de adaptação ultrapassa os recursos internos da pessoa, o quadro do stress evolui para a Fase de Quase-exaustão e, posteriormente, para a Exaustão.

Para tornar claro o processo de desenvolvimento do stress é necessário considerar que o quadro sintomatológico do stress varia dependendo da fase em que se encontre. Na Fase de Alerta - considerada a fase positiva do stress - o ser humano se energiza através da produção da adrenalina; a sobrevivência é preservada e uma sensação de plenitude é freqüentemente alcançada.

Na segunda fase - a da Resistência - a pessoa automaticamente tenta lidar com os seus estressores de modo a manter sua homeostase interna.

Se os fatores estressantes persistirem em freqüência ou intensidade, há uma quebra na resistência da pessoa e ela passa à Fase de Quase-exaustão. Nesta fase, o processo do adoecimento se inicia e os órgãos que possuírem uma maior vulnerabilidade genética ou adquirida passam a mostrar sinais de deteriorização.

Em não havendo alivio para o stress através ou da remoção dos estressores ou através do uso de estratégias de enfrentamento, o stress atinge a sua fase final - a da Exaustão, onde doenças graves podem ocorrer nos órgãos mais vulneráveis, como enfarte, úlceras e psoríase, dentre outros. A depressão passa a fazer parte do quadro de sintomas do stress na Fase de Quase-exaustão e se prolonga na Fase de Exaustão.

O diagnóstico diferencial entre a depressão sintoma de stress e outros tipos de depressão, inclusive a biológica que ocorre como efeito colateral de medicamentos e a que faz parte do quadro de transtorno psiquiátrico, é bastante complexo. Para se diferenciar a depressão sintoma de stress é preciso analisar se a pessoa está tendo que fazer um esforço muito grande para se adaptar a algo, como por exemplo uma hospitalização, mudança de emprego ou separação conjugal.

Nos casos da depressão sintoma de stress, uma vez resolvido o estado de tensão, a depressão desaparece sem necessidade, na maioria das vezes, de medicação anti-depressiva. O tratamento da depressão sintoma de stress é realizado através do uso dos quatro pilares do treino de controle do stress: alimentação anti-stress, relaxamento muscular, exercício físico e reestruturação cognitiva.

Em uma época quando se tenta entender o stress a fim de nos defendermos de seus efeitos negativos aparece a noção de que se o stress for bem compreendido ele pode ser utilizado para melhorar a produtividade da pessoa.

Quando se torna necessário enfrentar uma situação ou de muita tensão ou de muita alegria nosso organismo produz adrenalina em quantidades grandes. Esta substância, produzida pelas glândulas supra renais, impulsiona a pessoa. Ela motiva energia, dá ânimo e ambição. Durante momentos de stress em sua fase inicial podemos passar horas ou dias sem dormir direito, sem nos alimentarmos adequadamente e sem pensarmos em outras coisas que não sejam a nossa preocupação principal. O stress gera esta força toda e sem um pouco de stress a vida se torna tediosa e desmotivada. Todos precisamos de um pouco da energia gerada pelo stress para vivermos uma vida mais adequada.

Curiosamente, existe uma correlação muito grande entre o stress ao qual a pessoa está submetida e seu nível de produtividade. De início a correlação é positiva, mas quando o stress se torna pronunciado demais, ela passa a ser negativa. Deste modo, no início de períodos de tensão, a produtividade aumenta à medida que o stress se acentua e depois de algum tempo, se o stress não é reduzido, o organismo começa a se enfraquecer e a produtividade inicia sua queda. Tanto que doses extremas de stress ocasionam a queda. Tanto que doses extremas de stress ocasionam a queda total da produtividade.

É interessante notar que momentos de grande stress quando a tensão está ainda dentro da habilidade da pessoa absorver coincidem com picos de produtividade no ser humano. Se, no entanto, o stress passa dos limites de resistência da pessoa, aí a produtividade decai gradualmente até que o déficit seja significativo.

As pessoas mais bem sucedidas profissionalmente são justamente aquelas que sabem gerenciar o stress a seu favor. Quem não sabe gerenciá-lo corre o risco de entrar na fase mais negativa do processo de stress, aquela em que a produtividade se torna prejudicada.

O ideal seria que as pessoas aprendessem a manejar o stress de modo a terem uma vida mais feliz, motivada e produtiva em todos os seus aspectos. Como, então, gerenciá-lo? Em um primeiro momento importante se torna saber nosso limite de habilidade para lidar com o stress. Todos, por mais inteligentes e capazes que sejamos, temos um limite. Nossa experiência de clínica mostra que é mais provável que uma pessoa competente e capaz se deixe cair em fase de stress excessivo do que uma pessoa menos capaz. Isto porque tal pessoa em geral assume mais responsabilidade e tenta sempre enfrentar as dificuldades da vida sem repassá-las para outros. Essa atitude, nobre que seja, leva a uma sobrecarga e a uma falta de cautela em geral perigosa. Deste modo, o primeiro passo e saber nosso limite; depois é preciso identificar nossas fontes de stress. Algumas devem ser preservadas, outras podem ser descartadas. O terceiro passo seria adquirir estratégias psicológicas para lidar com o excesso de tensão. Com estes conhecimentos a pessoa se torna capaz de reconhecer em si mesmo os sinais de que seu limite está se aproximando, saberá eliminar os estressores desnecessários e se fortalecer para não sofrer qualquer efeito negativo. Se após momentos de stress, fazemos exercícios de relaxamento, ou praticamos esporte; se temos uma alimentação rica em nutrientes anti-stress e se temos uma atitude psicologicamente adequada dificilmente se entrará em uma fase perigosa do stress.

Quando sabemos usar a força energética gerada pelo stress podemos atingir picos incríveis de produtividade sem arriscarmos o adoecimento do organismo. Saber usar o stress é sem dúvida uma arte, mas uma arte que vale a pena.

Marilda Emmanuel Novaes Lipp

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