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Tratamentos e recuperacao - entrevista com Dr. Ari Balieiro

APOIAR - Dr. Ari, o senhor estará fazendo uma palestra no dia 17 de junho às 20h no Salão Nobre da UNESP-Franca com o tema Depressão em Homens, qual a importância desta campanha?
Dr. Ary. Acho muito importantes campanhas de esclarecimento, como essa, porque podem ajudar as pessoas a encontrar ajuda para identificar e tratar seus problemas. Acho também importante que a sociedade se organize em grupos como o APOIAR porque os setores públicos responsáveis pela saúde da população, mesmo que estejam melhorando muito, ainda são insuficientes para oferecer condições de tratamento para todos

APOIAR - Por que o homem tem mais dificuldade em procurar ajuda?
Dr. Ary. Em primeiro lugar porque vivemos, ainda, em uma cultura de "homem não chora", em que os homens não são educados para perceberem os próprios sentimentos; em segundo lugar porque a pressão de ganhar a vida, em nossa sociedade, recai em sua maior parte sobre os homens, e os homens tendem a pensar que buscar ajuda pode aumentar aquela pressão, já que pode ter custos associados; além disso, os homens são estimulados, nesta cultura, a serem "bem sucedidos", e reconhecer-se doente pode significar sentir-se fracassado, o que piora os sentimentos depressivos. Existem outros fatores, mas o espaço é pequeno para citar todos.

APOIAR - Como a família pode ajudá-lo a buscar ajuda?
Dr. Ary. O apoio dos familiares deve começar pelo reconhecimento de que precisar de ajuda não é um defeito de ninguém, mas apenas uma contingência normal da vida de qualquer ser humano. Além disso, o apoio dos familiares pode ser manifestado, sem acusações, críticas ou cobranças, em conversas francas e abertas nas quais os familiares oferecem apoio e assumem o compromisso de ficar ao lado da pessoa em sofrimento, desde o momento de buscar o tratamento, durante o transcorrer tratamento, até sua conclusão. Quando possível, esse compromisso é muito importante, bem como o engajamento da família.

APOIAR - Como as Terapias Cognitivo e Comportamental  (TCC) vêem a depressão?
Dr. Ary. O modelo cognitivo da depressão define a pessoa deprimida como apresentando um pensamento caracterizado por três aspectos (a chamada tríade cognitiva): uma visão negativa de si mesmo, que faz com que a pessoa tenda a atribuir suas experiências desagradáveis a um defeito psíquico, físico ou moral em si mesmo; uma tendência a interpretar suas experiências de forma negativa, considerar insuperáveis os obstáculos que encontra, considerar as exigências da vida insuportáveis, etc.; e uma visão negativa do futuro, que leva a pessoa a pensar que qualquer coisa que faça estará fadada ao fracasso. Além disso, o modelo comportamental acrescenta que a pessoa, em virtude destes três aspectos, tende a agir de forma menos cuidadosa, aumentando a probabilidade de que sua ação fracasse em atingir seus objetivos, o que serve como confirmação daquelas crenças negativas que alimentam a depressão.

APOIAR - Como é o tratamento que o senhor desenvolve usando a TCC?
Dr. Ary. O tratamento tem um grande objetivo que é ajudar o paciente a desenvolver habilidade que lhe permitam enfrentar e superar sua crise depressiva e mudar sua vida de forma a não mais cair em depressão. Para isso é preciso abordar três esferas: a esfera afetiva, que é o que a pessoa sente; a esfera cognitiva, que é o que a pessoa pensa; e a esfera comportamental, que é o que a pessoa faz. Na esfera afetiva, o objetivo é ajudar a pessoa a encontrar outros sentimentos dentro de si, além daqueles depressivos, e aprender a evocar e utilizar estes sentimentos; na esfera cognitiva o objetivo é ajudar a pessoa a reeducar seus hábitos de pensamento, trocando a tríade cognitiva por modos mais realistas e adequados de pensamento; e na esfera comportamental o objetivo é reeducar os hábitos de ação da pessoa de forma a aumentar a probabilidade de que sua ação seja bem sucedida, além de incorporar habilidades e hábitos saudáveis que a pessoa não tinha. É preciso entender que, embora os princípios e técnicas sejam os mesmos, cada caso é um caso, ou seja, cada paciente deve sua depressão a uma determinada combinação dos fatores, de forma que é preciso adaptar o tratamento a cada combinação. Um paciente, por exemplo, pode precisar aprender a dizer não, porque esta habilidade vai ajudá-lo a desgastar-se menos fazendo só o que os outros querem e conseguindo valorizar-se mais, mas pode haver um outro paciente que precise aprender a dizer sim, porque isso vai permitir que suas relações com os outros seja mais satisfatória e ele se sinta mais querido.

APOIAR - Por que o senhor não vê depressão como doença?
Dr. Ary. Eu nunca disse que depressão não é doença, acho que é sim! O que sempre digo é que nossa sociedade, especialmente através da publicidade, tenta nos incutir a idéia de que temos que estar sempre alegres, satisfeitos, "felizes" (entre aspas), porque pessoas tristes não são boas consumidoras. O grande perigo desta atitude é acreditar que tristeza é doença e, afirmo, não é! Então precisamos entender a diferença entre a tristeza, que é um sentimento humano natural, e muito útil, porque nos estimula a olhar para dentro de nós mesmos e reorganizar o que nos está tornando tristes, e precisa ser compreendida e aceita; e a depressão, que é uma doença com causas e desdobramentos biológicos, psicológicos e sociais e que precisa ser tratada.

APOIAR - Na palestra feita no APOIAR falou sobre diversas coisas que a pessoa dever fazer em complemento com a Terapia, pode citar novamente?
Dr. Ary. Exercício físico regular e constante; organizar o horário de sono, acordando cedo e saindo ao ar livre e expondo-se à luz do sol, o mais cedo possível; organizar o trabalho, com uma agenda, por exemplo, de forma a tornar-se mais eficiente e não ter a sensação de que "não vai dar conta"; retomar o mais cedo possível os compromissos sociais, com a família, amigos, igreja, grupos de auto-ajuda, etc.; dosar adequadamente o tempo dedicado ao trabalho, ao auto-cuidado, ao lazer e à vida social.

APOIAR - Por que tomar sol?
Dr. Ary. A luz do sol, depois de uma noite de sono, estimula o cérebro a regular o ciclo do sono, e o ciclo do sono é muito afetado na depressão. Tomar sol de manhã ajuda a regular o ciclo do sono

APOIAR - Quanto tempo demora uma pessoa para sair da depressão?
Dr. Ary. É claro que, quando falamos de situação ideal temos que ter muito cuidado para não alimentar expectativas muito exageradas, inclusive porque, embora tenha tratamento, a depressão é uma doença séria que precisa de um acompanhamento cuidadoso. Ainda assim, supondo um tratamento perfeitamente adequado, numa situação ideal, a pessoa começa a se sentir melhor com entre quinze dias e um mês de tratamento, percebe melhoras constantes durante aproximadamente três meses, e deixa de se considerar deprimida em mais ou menos seis meses. Depois disso o tratamento continua até que a pessoa tenha aprendido as habilidades necessárias para evitar as recaídas.

O medicamento é necessário?
Dr. Ary. Primeiro quero deixar claro que sou psicólogo, portanto não posso prescrever medicamentos e nem avaliar se são adequados ou não, isto é função de um médico psiquiatra. Ainda assim, com base em minha experiência, posso dizer alguma coisa. A depressão também tem graus de severidade: leve, moderada e severa. A medicação é útil na maioria dos casos, podendo ser dispensada nos casos mais leves, e tornando-se muito necessária quando a depressão é moderada e imprescindível nos casos de depressão severa. Em casos de muitas recaídas, mesmo quando a depressão é leve, a medicação é muito importante.

APOIAR - Existem crianças com depressão?
Dr. Ary. Sim, existe a depressão infantil, embora sua manifestação seja um pouco diferente da depressão em adultos, manifestando-se mais como irritação ou apatia.
O tratamento da TCC também ajuda crianças? Quantos anos a pessoa deve ter para entender?
A TCC pode ser utilizada com crianças de qualquer idade, tanto quanto com adultos, embora o trabalho com crianças seja diferente do trabalho com adultos, e deva respeitar as condições características da idade da criança. A TCC também é recomendada para o tratamento de depressão em crianças.

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