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Terapia Cognitivo Comportamental entrevista Dr. Ari Pedro

MENTE LIVRE – Dr. Ari, o que é, em poucas palavras, Terapia Cognitiva Comportamental?
As Terapias Cognitivo Comportamental partem da premissa básica de que pensar (aspecto cognitivo), sentir (aspecto cognitivo) e agir (aspecto comportamental) são três aspectos solidários de um mesmo fenômeno (a vida humana).
Assim, a maneira como pensamos influencia a maneira como sentimos e agimos; a maneira como agimos influencia a maneira como pensamos e sentimos.
Estudando como estes três aspectos se relacionam na criação e na manutenção do problema que o cliente traz, emerge um plano de intervenção que propõe alguma mudança (seja no pensamento, seja no sentimento, seja na ação, seja em qualquer combinação dos três), e o cliente, com a ajuda do terapeuta, trabalha para por em prática a mudança proposta, através de exercícios, experimentos comportamentais, discussões, etc.
Ao alterar um ou mais aspectos do problema, abre-se o caminho para que seja alterada a estrutura que o cria ou mantém, e assim, o cliente consegue resolver o problema retornar uma vida saudável.
O grande objetivo das Terapias Cognitivas é que o cliente, aprendendo sobre como se estrutura e funciona o problema, e aprendendo a intervir sobre esta estrutura e funcionamento de modo a resolvê-lo, acabe por se tornar seu próprio terapeuta, ganhando autonomia em relação à terapia.

MENTE LIVRE – Porque o senhor disse Terapias Cognitivas, no plural? Existe mais de uma Terapia Cognitiva?
Existem duas grandes linhas de Terapias Cognitivas: a racional – objetivista e construtivista.
A primeira, que surgiu antes, dá maior ênfase ao aspecto cognitivo da equação, e sua atuação pode ser classificada como estratégia, porque a intervenção terapêutica é, em grande medida, definida pelo diagnóstico e conduzida pelo terapeuta a partir de um modelo positivo de funcionamento saudável, que especifica que as crenças e esquemas de interpretação funcionais ou saudáveis são aquelas que não distorcem a percepção da realidade, e, assim, se os problemas gerados pelas cognições disfuncionais forem corrigidas num nível cognitivo (racional), a pessoa passa a ter uma boa representação da realidade.
Surgiu da proposta de Aaron Beck de que as emoções e comportamentos de uma pessoa são resultado da maneira como estas pessoas percebem e interpretam o mundo, ou seja, as emoções e o comportamento de uma pessoa são resultado de suas cognições, ou de seu processamento de informações.
Se os pensamentos e comportamentos são resultantes da maneira como a pessoa processa informações, então a doença ou transtorno emocional são o resultado de uma tendência que certas pessoas têm de processar informações de modo distorcido, ou distorcer suas interpretações do mundo, ficando assim predisposta a sofrer transtornos emocionais.
Neta linha (racional – objetivista) o objetivo é promover uma reestruturação cognitiva do paciente, ajudando através de técnicas como o questionamento socrático, a solução de problemas, etc., a reorganizar suas crenças  e seus esquemas interpretativos de maneira a atingir um modo mais saudável  de funcionamento, ou seja, um modelo mais adequado da realidade.
A segunda linha (construtivista), mais recente, aumenta a ênfase sobre os aspectos afetivo e comportamental da equação, e sua atuação pode ser classificada como sistêmica, porque o diagnóstico é menos relevante para a intervenção, já que se supõe que as representações da realidade são múltiplas, e as crenças e esquemas de interpretação, profundamente influenciados por experiências codificadas em um nível não verbal (afetivo), são modelos construídos da vivência interna das pessoas sobre sua própria ação no mundo, e não representações passivas deste mundo.
Surgiu uma influência das propostas construtivistas sobre a Terapia Cognitiva racionalista e dos avanços que estas propostas propiciaram na pesquisa básica, especialmente nas neurociências e nas ciências cognitivas.
Sua proposta central é que a interpretação, antes de uma tentativa de representar a realidade, é um representação da própria pessoa e de como ela atua no mundo, definida grande parte pela própria estrutura daquela pessoa.
Além disso, a estrutura da pessoa, além das crenças e esquemas interpretativos que Beck descobriu, inclui ouros tipos de experiência e determinações codificadas em um nível não- verbal, que tem profunda influência sobre quais são, como se formam e como atuam as crenças e esquemas interpretativos.
Assim, o saber de uma pessoa é um espécie de “mapa” do mundo, que se manifesta nas maneiras porque se relaciona consigo mesmo e com o mundo e se pauta pelas experiências passadas daquela pessoa, experiências de caráter fundamentalmente afetivo.
Nesta linha, o objetivo da terapia é proporcionar ao cliente experiências que promovam um aprendizado que torne mais flexível e eficiente suas formas de interação com o mundo, e, por conseguinte, seu “mapa”.
Isto pode incluir reestruturações cognitivas, como na linha racional – objetivista, mas também pode incluir vivências que proporcionem reestruturações afetivas e comportamentais.
Embora as duas linhas tenham algumas diferenças teóricas, como a maior ênfase dada os diagnóstico na linha racional – objetivista, na prática, a maioria dos bons terapeutas cognitivos acaba por tomar, alternativamente, tanto posições e atitudes estratégias quanto posições e atitudes sistêmicas.

MENTE LIVRE: Qual a diferença entre a TCC e as terapias convecionais?
O grande diferencial das terapias cognitivas é o grande número de estudos empíricos de “validação” que cerca suas técnicas e estratégias de diagnóstico e intervenção, estudos estes que vêm demonstrando sua efetividade em um grande número de problemas e doenças psíquicas. Além disso, o tempo de tratamento tende a ser mais curto e limitado.

MENTE LIVRE: Qual a diferença entre terapia e análise?
Nas décadas de 70 e 80 do século XX (em grande medida por influência da própria TCC, criado por Aaron T. Beck no final da década de 50), começamos a perceber que as demandas da clientela de psicoterapia podiam ser classificadas em duas grandes classes: as demandas terapêuticas, ou seja, aquelas em que o cliente traz, para o psicoterapeuta (psicólogo ou psiquiatra) um sofrimento em que pode ser percebida uma origem patológica, ou seja, o sofrimento é resultado de alguma disfunção ou doença na maneira como o cliente pensa, sente ou age; e as demandas existenciais, ou seja, aquelas em que o cliente vem ao psicoterapeuta em busca de esclarecimento para questões sobre a vida, questões essas que, mesmo gerando angústia e sofrimento, não são patológicas, ou seja, não são resultado de uma disfunção ou doença, mas resultam do processo natural de evolução e crescimento da pessoa e das exigências de suas condições concretas da vida.
Assim, percebemos que existem dois tipos de serviços prestados pela psicoterapia: a cura de algum problema ou patologia, e o autoconhecimento ou autodesenvolvimento. No primeiro caso, falamos de terapia (que quer dizer exatamente cura) e no segundo caso, falamos de análise (que é um processo de atingir o conhecimento).
Além destas condições, existem também vários modelos teóricos que propõe formas de promover cura e autodesenvolvimento. De maneira geral. Podemos distinguir cinco grandes paradigmas da psicoterapia com fronteiras mais ou menos claras entre eles: psicodinâmicas (psicanálise e correlatos), comportamentalistas (análise experimental do comportamento e correlatos), humanista (gestalt, análise existencial e correlatos), cognitiva racional – objetivista e construtivista) e sistêmica (terapia de família e correlatos).

MENTE LIVRE: Como saber escolher entre uma ou outra?
Se aquilo que leva a pessoa a buscar a terapia é um sofrimento originado de alguma condição patológica ou disfuncional, a pessoa precisa de terapia, ou seja, um tratamento adequado para aquela disfunção. Neste caso, é preciso saber se aquele modelo psicoterápico foi considerado, em estudos empíricos, como efetivos para o tratamento do problema, doença ou disfunção daquela pessoa.
A TCC, por exemplo, já teve sua eficácia comprovada para vários tipos de transtornos, como por exemplo a depressão. Transtornos de ansiedade (que incluem as fobias e o pânico), transtornos alimentares, dependência química, dificuldades interpessoais, suicídio, etc.
Por outro lado, se o que leva a pessoa a buscar a terapia é um impulso para o auto conhecimento ou autodesenvolvimento, a pessoa precisa de um processo mais parecido com uma análise, caso em que é mais relevante o tipo de busca que levou a pessoa a procurar a psicoterapia e o bom relacionamento e a confiança que se estabeleceram entre ela e o que o terapeuta que escolher. Neste caso, a linha teórica não é tão importante, exceto se houver uma clara incompatibilidade entre o que a pessoa quer e o que o terapeuta propõe.

MENTE LIVRE: Existe um tempo determinado para o tratamento com TCC?
Não existe em tempo determinado, mas existem “protocolos” de tratamento, ou seja, em TCC cada transtorno é entendido como tendo uma determinada configuração, que deve ser tratada conforme uma certa seqüência de aquisição de habilidades e competências, em que os objetivos das primeiras etapas são a base para os objetivos das etapas seguintes, e assim por diante, até que o cliente possa lidar com seu problema e, portanto, o transtorno tenha sido efetivamente curado.
Evidentemente, como cada cliente é uma pessoa diferente de todas as outras, as configurações de um mesmo transtorno podem diferir bastante de um cliente para outro, o que dificulta falar em tempo de duração, visto que um cliente pode já ter muitas das habilidades e competências necessárias, ou seja, pode estar “bastante adiantado” na direção da cura, precisando de pouco treinamento para superar o transtorno, enquanto outro pode ter que “começar do zero” em termos de habilidades e competências necessárias para se falar em cura, necessitando muito mais tempo de terapia e treinamento.
Entretanto, como as listas de habilidades e competências para lidar com um mesmo transtorno são as mesmas, podemos dizer que a terapia tem uma duração limitada, que pode ser prevista com razoável precisão em cada caso particular, dependendo apenas do diagnóstico do transtorno e de levantamento de habilidades que precisa adquirir.
Assim, uma vez que os objetivos da TCC são claramente estabelecidos e discutidos com o cliente, após feito o diagnóstico, o terapeuta e o cliente podem fazer uma estimativa bastante razoável do tempo que levará o processo.

MENTE LIVRE: O senhor está montando um curso sobre TCC – poderia comentar sobre o assunto?
Muitos colegas, entre os quais ex-alunos, tem pedido que eu passe adiante o conhecimento que adquiri. Assim, estamos montando um programa de treinamento em TCC que possa oferecer as condições necessárias para a prática adequada. É provável que no início de Março eu comece a montar o grupo de alunos.

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