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ENTREVISTA DANILO -ABUSO MEDICAMENTO

APOIAR: Está havendo um abuso no uso de medicamentos hoje em dia?
DR. DANILO: É importante perceber que a medicação muitas vezes pode ser mal indicada, é quando pode gerar dependência, mas em alguns casos ela é importantíssima. Acho que a importância desta nossa entrevista é orientar nosso leitor sobre o profissional que ele deve procurar, quando é necessário procurar um profissional, quando você precisa do uso do medicamento. Estas são questões básicas. O excesso de medicação – a gente sabe que hoje segundo as estatísticas – os benzadiazequímicos que são os calmantes, são os medicamentos mais receitados, o que tem causado preocupação; então temos que questionar o que está acontecendo.

APOIAR: Conforme comentei com você, uma menina (18 anos) que perdeu o noivo entrou num processo de tristeza, que é normal devido a perda, e chegou aqui dois meses depois, tomando um antidepressivo e o Rivotril. O que você acha disso?
DR. DANILO: Bom, cada caso é um caso, não dá para saber ao todo como é o quadro clínico desta pessoa, mas existe um luto que é natural, quer dizer, se você perde um ente querido, seja por morte ou rompimento afetivo, isso vai gerar um quadro depressivo, vai gerar quadro de luto que é natural, uma tristeza, um desânimo, mas algo que é passageiro. Depois de 3 ou 6 meses a pessoa vai conseguir se recompor, mas às vezes tem alguns quadros que ela tem uma perda e  entra em um estado depressivo; aí geralmente a pessoa não consegue trabalhar, realizar suas atividades normais, ou até pensa em suicídio. Nesses casos são necessários que sejam medicadas. O que é importante é saber delimitar o que é natural, luto natural é aquele luto que a gente fala que é o luto patológico, quando a pessoa desenvolve um quadro depressivo grave ou até um quadro psicótico, depois de uma grande perda. É fundamental que o profissional saiba diferenciar isto, quando é necessário ou não o uso da medicação.

APOIAR: O que pode acontecer se você não vivencia este luto? Acho que você falou em um luto medicado. A pessoa, o médico pode medicar o luto? Lembro-me que quando perdi meu filho, quis tomar remédio e o psiquiatra que me atendeu, um amigo muito querido, aconselhou: Vai sentir sua dor, porque se você não viver isso agora, vai viver mais para frente. No caso da menina, que perdeu o noivo, se ela não vive esta perda, pode ter depressão em outro momento devido a este pulo no sentimento da emoção?
DR. DANILO: Acho que o importante é perceber que existe a elaboração do luto, que você tem que trabalhar a perda, aquela dor, e é natural que você tenha tristeza, que tenha desânimo, porque se você não sente a dor profundamente, como vai sentir o prazer, como vai sentir aquilo que vale a pena na vida? Então, muitas vezes, quando se medica um luto que é natural e deve ser sentido, você estará anestesiando está pessoa, e está anestesia pode se prejudicial, para o desenvolvimento como ser humano.

APOIAR: É porque todo esse sofrimento tem um aprendizado, inclusive a psicanálise trabalha muito com isso, de você crescer com o sofrimento?
DR. DANILO: Justamente, acho que a angústia te motiva a buscar uma saída, e quando você se anestesia seja pelo álcool, seja pela negação da realidade, seja pelas ilusões que a nossa própria mente cria, porque o anestésico não é só o medicamento, não é só o álcool, mas a nossa mente cria também cria várias ilusões, várias negações da realidade, a gente nega muito a realidade e isso é uma anestesia mental e toda esta anestesia impede o desenvolvimento o crescimento da pessoa. Uma certa dose de angústia é fundamental para que a gente cresça, para que a gente amadureça, para que a gente consiga enxergar a vida de uma outra forma.

APOIAR: Para que busquemos novas opções...
DR. DANILO: Novos horizontes, para que façamos novas escolhas. Muitas vezes a escolha que fizemos no momento está nos prejudicando, então a angústia vem como uma alerta: “espera aí, tem alguma coisa errada como isso ou aquilo”..., é uma sinalização de que alguma coisa está errada. Agora, se você vai lá e anestesia, seja através de medicamento, seja através de drogas ou álcool, você impede que a pessoa tome alguma providência, se movimente, ou altere o curso de sua vida. e o risco que ela corre é de dar uma trombada.
APOIAR: Falando sobre isto me lembrei de um outro assunto que nós – eu e as psicológas – estávamos conversando no final de semana. Que é o caso de uma pessoa que está com pânico ou depressão porque ela está com problema familiar gravíssimo e então não sara. É um marido alcoólatra ou marido que agride, uma situação deste tipo; então a pessoa pode estar tendo pânico ou depressão,  por que está vivendo uma situação muito ruim?
DR. DANILO: É importante entender que o adoecimento depende de vários fatores – fatores biológicos, fatores sociais, psicológicos, culturais, muitas coisas aí que vão influenciar para que ela adoeça, seja o pânico, uma depressão, seja um parto... depende de vários fatores. Então é fundamental que se tenha a consciência de que os problemas, os conflitos familiares também vão influenciar no adoecimento desta pessoa. Daí a necessidade de se trabalhar também as questões familiares, sociais, para se prevenir o adoecimento.

APOIAR: Então, mas a própria situação dela vai perpetuando a depressão ou pânico. Se ela está vivendo com um marido alcoólatra, e não quer, por exemplo, fazer uma separação e nada muda, você acha que ela tem uma possibilidade, de sair de um pânico ou de uma depressão, vivendo uma situação dessa?
DR. DANILO: Cada caso é um caso, essa pessoa poderia ter mil reações. É fundamental perceber que muitas vezes o pânico pode ser uma forma de não saber como lidar com essa situação, quer dizer, ela não sabe, está perdida, está negando até esta realidade; de repente um marido que ela está tentando mudar e não consegues, e na onipotência dela de achar que vai conseguir mudar essa pessoa, e de repente a realidade mostra cada momento que ela não vai conseguir mudar isso, pode levar ao pânico se ela já tem uma predisposição genética, ou uma depressão. Depende muito de como está a mente dessa pessoa, como está a família, como está a própria genética para desenvolver uma doença.

APOIAR: Falando de uma maneira bem light, nós estávamos conversando sobre isso também, eu disse para você que eu estou vendo, que quase todo mundo que está chegando aqui está medicado com rivotril, e que eu fico questionando... por que tanto rivotril?, o que você acha que está acontecendo?
DR. DANILO: De novo é preciso ser cuidadoso na análise. O rivotril é um medicamento que tem sido muito usado, realmente, para transtornos do pânico. A vantagem do rivotril em relação ao frontal, por exemplo, é a meia-vida, quer dizer, ele permanece mais tempo no organismo ao passo que o frontal muitas vezes tem a permanência no organismo mais curta, e nesse momento – quando há a baixa da concentração do medicamento na corrente sangüínea – pode desencadear um, um ataque de pânico, ao passo que o rivotril ajuda a estabilizar um pouco mais, ele tem uma meia-vida em torno de 40 horas no organismo; então a pessoa toma uma vez ao dia, e fica mais ao ou menos coberta durante as 24 horas do dia. 

APOIAR: Mais ele causa dependência?
DR. DANILO: Como todos calmantes, sim. Esse é o medicamento que pode gerar dependência, porque quando você vai retirar o rivotril é necessário acompanhamento médico; a pessoa sozinha não pode retirar o medicamento.

APOIAR: Se você pudesse fazer alguma coisa para mudar esse uso excessivo de medicamento, teria algo que poderia ser feito, você tem uma idéia de como melhorar isso?, você disse que está sobrecarregado trabalhando demais, tem que atender um número de pessoas muito grande, num certo período de tempo, o que te deixa até infeliz. Mas teria alguma coisa que poderia ser feita para que mude esse uso excessivo de medicamentos?
DR. DANILO: Acredito que a gente sente uma frustração no serviço público... Tanto o médico quanto o paciente, mas eu acredito que é possível melhorar, que é possível, fazer um atendimento mais completo, que não é só o medicamento que vai resolver os problemas destas pessoas. É importante nós entendermos que a saúde mental depende de um série de fatores. Acho que o APOIAR tem um papel interessante, que está ensinando para as pessoas algumas técnicas ricas, que podem ajudá-las a se controlarem de alguma forma, através do yoga, através do relaxamento. São técnicas cientificamente comprovadas que ajudam a baixar a ansiedade, ajudam a baixar essas doenças psicossomáticas colaboram para diminuir os efeitos das doenças; então acredito que é possível sim melhorar tudo isto. Para se reduzir o uso de medicamentos é importante entendermos que tem uma pressão dos laboratórios para que se medique os pacientes. Os exemplos estão aí, a pessoa está com uma dor de cabeça, toma uma aspirina, então existe uma idéia mágica de que você vai tomar um remedinho mágico que vai resolver todos seus problemas, mas uma coisa que nós temos que ter consenso é que temos responsabilidade pela nossa saúde. Acho que essa é a questão essencial, central. Nós somos responsáveis pela nossa saúde, o remédio não vai fazer milagre, o remédio é um colaborador a mais. Existe uma série de fatores que você pode, como pessoa, realizar para ajudar a sua saúde, por exemplo, a caminhada, a atividade física, evitar substâncias que são excitantes, redução do uso do álcool, melhorar um pouco a auto-estima,  relaxamento, não ficar passiva esperando que o médico magicamente resolva seus problemas. Então acho que essa é uma conscientização que todos nós temos que ter: a melhoria da qualidade de vida da nossa sociedade vai implicar na redução do uso de medicamento, assim como um melhor treinamento até dos profissionais que trabalham nos UBS, os serviços que tem o primeiro atendimento. Quando medicar? Ás vezes o excesso de medicamento é até em função da correria que o profissional se encontra, o e excesso de pacientes. Às vezes o recurso que ele tem naquele momento é o medicamento.

APOIAR: Não deixar a pessoa sair sem uma ilusão de atendimento?
DR. DANILO: Justamente. Eu queria frisar que a medicação é importante, mas tem que ter critérios para usá-los, e que na verdade é importante a responsabilidade que cada um tem para cuidar da sua saúde mental. Não é só, não existe um remédio mágico que vai curar as suas angústias, as dores. Uma certa dor psíquica, um pouco de depressão é saudável, até porque nos faz ver a vida de uma forma diferente, pensarmos um pouco mais, ficarmos um pouco introspectivos. E a partir desta introspecção escolher novos caminhos fazer novas escolhas, e quem sabe a partir de novas escolhas você não pode se sentir melhor.

APOIAR: Ser mais feliz.
DR. DANILO: E é isso... sentir o prazer de viver.

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