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CRIANÇAS TAMBÉM SE DEPRIMEM

Por: Genara Rigotti

A depressão é cada vez mais comum em crianças e adolescentes. Pais devem estar alertas a mudanças de comportamento. Doença está fazendo vítimas cada vez mais novas; pais ainda desconhecem tratamento

A doença que já atinge pelo menos 20% da população mundial é cada vez mais comum em crianças e adolescentes. Não existe uma explicação científica para o crescimento do número de casos de depressão nesta faixa etária, mas as mudanças visíveis do mundo moderno e o aumento do nível de estresse em todas as camadas da população podem estar associados ao problema. O tema, que ainda é tabu para muitos pais, afeta, somente nos Estados Unidos, 0,9% das crianças em fase pré-escolar, 1,9% das crianças em idade escolar e 4,7% dos adolescentes, com uma incidência na mesma proporção em meninos e meninas. 

No Brasil, não existem estudos sobre a depressão em crianças e adolescentes, mas os psiquiatras alertam: "Os pais devem estar atentos para qualquer mudança brusca de comportamento. Precisam deixar o preconceito de lado e buscar ajuda o mais rápido possível". A observação é da psiquiatra Regina Coeli Martins Pinto, especialista no atendimento de crianças e adolescentes com depressão.

Tentativas de suicídio entre os adolescentes
Sobre as tentativas de suicídio de crianças com algum tipo de transtorno mental - entre eles, a depressão -, a psiquiatra Regina Coeli Martins Pinto explica que são raras antes dos dez anos. "O que não quer dizer que elas não ocorram", alerta. "Em crianças e adolescentes, acontece em média um suicídio consumado para cada 50 tentativas", diz a médica. A transmissão do impulso elétrico de um a outro neurônio (a neurotransmissão) é medida por substâncias químicas, chamadas neurotransmissores. Em pacientes deprimidos, registra-se uma diminuição na concentração de neurotransmissores no cérebro

"São inúmeras as teorias que tentam explicar a depressão. O importante é que os pais procurem ajuda o mais cedo possível e saibam que a melhor forma de prevenção é observar, conversar e participar, estar presente em todas as fases do desenvolvimento da criança e do adolescente", insiste a psiquiatra Regina Coeli. "A negação da doença é um risco para a criança e o adolescente". (Genara Rigotti)

Queixas são divididas por faixas etárias
A psiquiatra Regina Coeli Martins Pinto participou recentemente da 1ª Jornada de Psiquiatria de Joinville, onde falou sobre a depressão entre crianças e adolescentes. "É um tema-tabu para toda a sociedade", lamenta. Segundo ela, o primeiro passo é identificar a doença. 

"Nós costumamos dividir as queixas por faixas etárias", explica. Conforme Regina, em crianças com até três anos de idade, além dos sintomas tradicionais (veja quadro nesta edição), os pais devem observar se ela tem infecções freqüentes e se não apresenta a vivacidade esperada para aquela fase do desenvolvimento. "Existem fases distintas do desenvolvimento infantil que devem ser respeitadas e podem ser observadas pelos pais. Basta um pouco de atenção", salienta. "É bom ressaltar que a depressão pode se manifestar de forma leve, moderada e grave. Independente do grau da doença, a mudança de comportamento é a hora de buscar ajuda. Quando eles param de fazer o que gostam, de uma hora para outra, alguma coisa não vai bem". (GR)

Terapia pode ser suficiente
Conforme a psiquiatra Regina Coeli, em alguns casos a orientação de uma terapia já é suficiente para resolver o problema da criança ou adolescente com depressão. "Em casos mais graves, o medicamento é indispensável para a completa recuperação do paciente. Antidepressivos não causam vício nem dependência, o que existe é apenas preconceito e falta de informação". 

Regina Coeli destaca que a depressão - que pode ser definida como um tipo de doença mental, um estado emocional que se traduz em alterações de comportamento, associados com sintomas físicos - tem cura e não é, como muitos falam, uma frescura, ou um sinal de loucura. É uma doença como outra qualquer, que tem tratamento, mas exige o apoio da família ao paciente. 

"O elogio, o carinho, o limite necessário e coerente, na hora certa, servem para alimentar a auto-estima e ajudam a formar uma imagem positiva da própria criança e do adolescente", ensina a psiquiatra. Regina explica que pode haver reações de crianças e adolescentes a determinados momentos e situações vividas. "A separação dos pais, por exemplo, pode ser um fator desencadeante da doença em determinadas crianças e adolescentes. Mas geralmente existem alguns fatores associados", aponta. 

A médica acredita que os pais são responsáveis pela busca do tratamento. "Eles não podem esperar que a criança e nem mesmo o adolescente se conscientize. É papel dos pais buscar ajuda". A depressão pode se manifestar em qualquer fase da vida, e num episódio grave existe o risco de suicídio. (GR)

Pais acabam se culpando
A chance de alguém ter um transtorno depressivo varia de 2% a 12% para homens e de 5% a 26% para mulheres. Uma história familiar de depressão é o maior fator de risco para o desenvolvimento da doença. 

"Muitas vezes os pais se culpam, mas não existem culpados. Doenças são circunstâncias. Os pais não podem deixar esta culpa interferir no tratamento dos filhos. É muito comum o abandono do tratamento, quando a criança dá os primeiros sinais de melhora, seja pelo medo, a vergonha ou o sentimento de culpa dos pais", lamenta a psiquiatra Regina Coeli. "Na maioria das vezes, quem acompanha o paciente é a mãe. O pai tem mais dificuldade de aceitar o tratamento dos filhos". (GR)

Fique atento
As "dicas" de quem pode estar com depressão.

Sintomas importantes em crianças de zero a 3 anos:
- humor deprimido ou irritável
- interesse e prazer reduzido em atividades próprias daquela fase do desenvolvimento, atraso significativo no andar e no falar e retardo psicomotor
- diminuição da capacidade de protestar
- lamentação excessiva, a criança chorominga muito
- a criança tem um apego excessivo aos pais, mesmo depois de começar a andar
- distúrbios do sono e alimentação, com perda de peso associada

Sintomas importantes em crianças de 3 a 6 anos:
- afastamento das pessoas próximas e agressividade
- calma excessiva se alternando com períodos de agitação, explosão
- manipulação compulsiva dos genitais
- baixa tolerância a frustrações com choros silenciosos
- terrores noturnos e manifestação do sentimento de tristeza
- aumento ou redução do apetite e do peso
- sonolência durante o dia com acordar constante à noite
- enurese (não consegue controlar a urina) ou encoprese (não consegue controlar as fezes)
- apego excessivo aos adultos, e nos momentos que ela deveria se defender sozinha, não consegue
- se apresenta como um criança implicante, com atitudes de provocação, em busca de atenção ou punição

Sintomas importantes em crianças de 6 a 12 anos
- cólera (impulso violento contra o que as ofende, fere ou indigna)
- impulsividade
- sentimento de desvalorização, alterações no pensamento ("eu não consigo, eu sou feio, ninguém gosta de mim")
- falta de concentração - a criança fala excessivamente em alguns momentos e logo se retrai
- aumento ou redução do apetite e do peso
- mentiras compensatórias e pequenos furtos
- fugas de casa
- deficiência ou fracasso escolar
- dores abdominais e sensação de acordar sempre cansado
- idéias de morte que podem chagar à tentativa de suicídio

Sintomas importantes em adolescentes (20% dos casos de depressão em adolescentes estão associados a abusos de drogas legais e ilegais).
- humor deprimido
- perda de interesse e do prazer
- fadiga
- alterações do sono e do apetite
- sentimentos de inutilidade
- culpa e desespero
- redução da capacidade de concentração
- prejuízo da memória
- agitação ou lentidão psicomotora
- rebeldia, irritabilidade
- tentativas de se auto-medicar e às vezes o uso de drogas, na tentativa inconsciente de acobertar os sintomas
- pensamento lentificado
- idéias suicidas e às vezes tentativas de suicídio

A cefaléia (dor de cabeça) é uma queixa geralmente associada à depressão em todas as idades

É hora de procurar ajuda:
- Humor deprimido: tristeza, desesperança, desencorajamento. Pode se manifestar pelo choro, pela expressão facial e corporal, por queixas físicas, pela irritabilidade, perda da auto-estima e da autoconfiança.
- Perda de interesse ou prazer: pelas atividades que antes a pessoa apreciava (lazer, esporte, brincadeiras, sexo)
- Apetite: geralmente reduzido, com perda de peso, mas em alguns casos ocorre aumento de apetite e peso.
- Sono: a insônia é comum, ou a pessoa desperta no meio da noite e tem dificuldade de dormir novamente ou acorda muito cedo sem dormir novamente ou tem dificuldade para adormecer. Em alguns casos, ocorre o sono excessivo.
- Alterações psicomotoras: agitação ou retardo psicomotor, nos gestos, no pensamento, na fala.
- Diminuição da energia: cansaço, fadiga, mesmo sem fazer esforço
- Sentimentos de desvalia ou culpa: avaliações negativas e irrealistas do próprio valor, preocupações. A pessoa fica remoendo pequenos fracassos do passado. Interpretação errada dos acontecimentos, a pessoa passa a evidenciar seus defeitos e fica com um senso exagerado de responsabilidade.
- Prejuízo na capacidade de pensar, concentrar-se ou tomar decisões: distração, dificuldade de memorização, com conseqüente perda no rendimento profissional ou escolar.
- Pensamento sobre morte, planos e tentativas de suicídio: o paciente pode apresentar desde vontade de morrer até planos específicos de se matar, variando de intensidade e freqüência, dependendo da gravidade de cada caso.

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