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Editorial

Editorial Setembro 2011


Descobrindo um mundo novo: Libras a Língua Brasileira dos Surdos
Por: Silvana Prado

A equipe do Apoiar iniciou no mês de junho um curso intensivo de Libras, que é a sigla para Língua Brasileira de Sinais. Eu pensei que as pessoas soubessem o que Libras significasse, mas quando enviei e-mail convidando alguns amigos para participar, muitos perguntaram de volta o que era Libras. Bem, não é aquela Libra do horóscopo, é uma linguagem importante que todos os profissionais deveriam se interessar em aprender por dois motivos: existe um Decreto dizendo que os surdos têm direito à inclusão social e para isso os professores deverão estar preparados para ensinar um aluno surdo, para que possam acompanhar as aulas.

A situação atual dos surdos gera preocupação, pois muitos deles, apesar de terem um diploma secundário, não sabem ler ou escrever – embora isso também seja verdade para alunos sem qualquer deficiência no nosso caótico sistema atual de ensino. De acordo com minhas pesquisas, o surdo, mesmo quando recebeu uma boa educação escolar, tem dificuldade em entender o que lê, ou seja, ele até consegue ler as palavras, mas o sentido de todas elas juntas, às vezes, fica fora do alcance deles. Poderíamos dizer que ele vive em um planeta onde a linguagem é totalmente diferente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 1,5% da população brasileira (2,25 milhões) é portadora de deficiência auditiva. Aprendi nas aulas que eles não gostam de ser chamados de surdos-mudos, pois na sua maioria não são mudos, apenas não falam devido à surdez. Também não gostam de serem chamados de deficientes, tanto que a maioria dos sites como por exemplo: www.surdo.org.br , não usa esta expressão.

A nossa professora é a Carolina Malta, que até já foi matéria de primeira página no Mente Livre, pois suas conquistas e sua garra são notáveis. Ela é uma inspiração para outras pessoas e outros pais, para que lutem pelos seus filhos, pois apesar da surdez eles podem ser produtivos e tão felizes como ela é. A Carol tem formação especializada, cursos feitos em Franca e outras cidades, e é professora em diversas escolas e até em uma universidade de Franca. Digno de mencionar que graças a ela hoje essa universidade tem, em certas aulas, a telinha com a aula também sendo ministrada em Libras, graças à sua coragem (e ajuda do grupo Apoiar) para entrar com ação judicial pleiteando seu direito, garantido por leis [Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989], ou seja, de ter as aulas com a ajuda da tela com a tradução em libras simultaneamente. Depois de certa resistência, a faculdade reconheceu o direito dela e o ensino foi implementado.

Certamente não é fácil para o surdo, não é fácil para os pais, mas por não ser fácil torna a vitória muito mais importante e merecida. As aulas são semanais, 3 horas, e muita coisa é ensinada em cada aula, a gente fica até meio tonta de tanta coisa. Eu que falo bem o inglês, percebo a maior abrangência do aprendizado de Libras. Não é só aprender a falar a língua; a linguagem exige a movimentação correta das mãos, dos braços, dentro de uma área previamente estabelecida. Por exemplo: não se fica fazendo sinais ao lado do corpo e sim na frente, como se houvesse uma tela e você se expressa dentro daquela área, para que a visualização fique mais fácil. Um mesmo gesto pode ser feito de duas ou três maneiras diferentes, mas uma pequena alteração das mãos (virada para cima ou para baixo) pode ter outro significado.

Percebo que as áreas estimuladas no cérebro são muitas: temos de aprender os sinais e como fazer os movimentos das mãos corretamente, o rosto muda a expressão dependendo da frase. Por exemplo, uma pergunta requer a expressão de questionamento, ou se você está muito feliz com alguma coisa, o sorriso será maior. Portanto estamos falando em aprender o sinal e lembrar dele, fazer o movimento correto das mãos e estar atento às expressões faciais para que ajudem a expressar a mensagem e mesmo do corpo, pois quando se fala em futuro o corpo se inclina para frente. Os sinais são complexos, os números se modificam quando falamos em Cardinal e quantidade. O cérebro passa a dar viravoltas nas suas conexões para conseguir assimilar tudo, pois ele está entrando num mundo novo, onde a voz não faz sentido, o que faz sentido são as expressões. É um grande desafio. No entanto quando pensamos em diversas doenças que estão destruindo nosso cérebro, por exemplo, o Alzheimer, pesquisas indicam que aprender uma nova língua ajuda a evitar a doença, ou seja, pessoas ativas têm mais possibilidades de não desenvolverem doenças degenerativas no cérebro. Pense então quantas células estão morrendo nas cinco horas que você vê televisão todas as noites.

Assim a aula de Libras nos obriga a usar diversas áreas de aprendizado, criando novas conexões sinápticas, deixando o cérebro exercitado, como se tivesse feito aeróbica. Essas novas conexões substituem as antigas, que tendem a morrer com a idade. Essa capacidade maravilhosa do cérebro, hoje conhecida como neuroplasticidade, está à nossa disposição, mas temos de colocá-la em funcionamento, como se nosso cérebro fosse um computador com propriedades fantásticas, mas que se não ligarmos não adianta, ele não será usado. No entanto, o motivo que levou a equipe do Apoiar a fazer o curso é a necessidade de atendimento também a pessoas com depressão que são surdas e não têm como receber tratamento. Isto se deu devido a um caso que chegou até mim, de um rapaz surdo acometido por depressão após a morte da mãe. Fiz os atendimentos com a ajuda do irmão dele, mas a psicóloga precisou que ele trouxesse uma amiga para ajudar a interpretar. Assim, nos vimos com a grande dificuldade em conseguir ajudar, devido à nossa deficiência em conhecer a língua dos sinais. Estas aulas virão trazer uma grande melhoria aos nossos atendimentos, mas acima de tudo é nosso dever tentar nos aproximar do mundo deles, uma vez que eles não podem se expressar como nós.

Muita Paz.

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